sexta-feira, 10 de junho de 2011

Veículo Sport Utilitário, é uma idéia sustentável???

O paradoxo do Captiva



Filme da General Motors tenta convencer do jeito errado que utilitários esporte possam ser compras racionais.

por Kleber Nogueira



Os utilitários esporte parecem mesmo ser uma moda sem volta. Não dá para negar que eles exercem uma hipnose em muitos consumidores. Esse tipo de veículo roubou compradores de peruas, minivans e até sedãs de luxo e, como o nicho é relativamente novo, cresce a taxas chinesas e tem como alvo gente endinheirada e as margens de lucro são generosas.

Daí, ninguém quer ficar de fora e a concorrência entre as marcas produz espetáculos de atração sobre rodas, com estilo, tecnologia e...exagero. Alguns modelos beiram três toneladas que se arrastam pelas ruas, torrando combustível e outros recursos sem necessidade, por capricho ou necessidade de afirmação. Rodas e pneus imensos, potentes motores, tração integral e até reduzida para transportar pessoas de casa para o trabalho, ou fazer viagens por asfalto, do mesmo jeito que um automóvel pequeno faria.

Embora o veículo tema da análise seja o Chevrolet Captiva, a regra é a mesma para todas as marcas. Utilitários esporte representam o que há de mais antissustentável. Sim, eles são imponentes, robustos, apaixonantes até. Mas é um fato que são desnecessários para a mobilidade urbana e, de certa forma, simbolizam um sucesso perigoso e destrutivo.

Os fabricantes investem pesado em publicidade para estimular o consumo desses veículos por pessoas que não necessitam deles. Ou seja, mero fetiche.

O conceito de utilitário esporte deriva de uma sociedade que é, por essência, consumista excessiva: a norte-americana.

Os Estados Unidos nunca foram, historicamente, chegados a carros pequenos e construíram um legado de automóveis imensos, pesados e com motores nada econômicos. Sempre houve no país um forte estímulo ao transporte individual, com a

construção de largas rodovias e bairros de subúrbio com passeios largos e garagens amplas. Sem contar uma exacerbada competição social, onde o status das famílias sempre foi diretamente proporcional ao tamanho do carro na garagem.

Quando veio a primeira crise do petróleo, e com ela a legislação federal para reduzir o consumo por meio do CAFÉ*, os fabricantes descobriram que não precisavam deixar no passado os enormes motores V8. Como o programa deixava bem mais folgadas as rédeas sobre o consumo dos utilitários, bastava à indústria modificar os tradicionais modelos até então mais voltados a fazendeiros que aos cidadãos urbanos, aplicando-lhes algum requinte, e trabalhar sua imagem para que fossem vistos e desejados como veículos joviais, símbolos de um estilo de vida.

Escafandro na praia.

Na propaganda do Captiva, o que fica mais evidente  é a desconexão e a falsidade do discurso. Soa até engraçado. O rapaz veste um monte de bugigangas apenas para ir à praia, pelo que é prontamente advertido pelos colegas. Ora, quem             compra um utilitário do porte do Captiva apenas para levar os filhos à escola ou ao shopping está fazendo o quê?

Sim, todos têm o direito de comprar o que quiserem e cada um sabe o que faz com o próprio dinheiro. Mas não venha tentar me vender um utilitário esporte me acusando de consumista, dizendo que eu compro um monte de coisas sem pensar, ou sugerindo que essa seja uma opção de quem escolhe um carro com a razão.

Que paradoxo!

Ao que parece, houve um erro na condução do roteiro. A mensagem-chave real do filme é que, em termos de comparação a outros modelos de sua categoria, o Captiva é, supostamente, melhor negócio.

No entanto, a execução do recado no filme foi tão infeliz que não consigo desvincular o camarada do comercial, de escafandro e pé-de-pato na praia, da madame que vai à manicure sozinha num utilitário esporte de quase três toneladas, gastando um litro da gasolina a cada quatro ou cinco quilômetros e despejando muito mais gás carbônico na atmosfera do que precisava.

A General Motors teria ganhado mais pontos se colocasse no filme um elegante homem bem-sucedido chegando a sua mansão a bordo do Captiva, abrindo a porta, beijando a linda mulher e brincando com o labrador bege no gramado do quintal. Não seria inédito, mas seria coerente. De quebra, poderia gastar o tempo falando um pouco das características técnicas e comerciais do carro durante os 30 segundos. Verba de marketing jogada no lixo.

É fácil fazer um paralelo a outra campanha de utilitário esporte embora seja institucional do fabricante e não específica do produto, que mostra o Hyundai IX35 como mais um símbolo da quebra de antigos paradigmas. Trata-se de uma campanha assertiva, que sugere que aquela afirmação (o luxo é para poucos)      também perdeu o sentido em nossos dias, enterrada... pela Hyundai, é claro.

Com o comercial, a marca afirma claramente que seu utilitário é luxuoso, sim, e não tenta simular uma aura de racionalidade. O objetivo não é dizer que o carro seja barato e possa ser comprado por qualquer um o que popularizaria a imagem do modelo, desgastando seu valor. Ela consolida, isso sim, o desejo hesitante daquele consumidor de classe média que, em teoria, pode comprar com sacrifício um IX35 e, por meio dele, alçar uma etapa na escala social.

Ficam evidentes a desconexão e a falsidade do discurso. Quem compra um utilitário para levar os filhos à escola ou ao shopping está fazendo o quê?





*CAFE: sigla para Corporate Average Fuel Economy, ou consumo de combustível médio corporativo. É um programa implantado em 1975 pelo ACEEE (American

Council for an Energy-Efficient Economy, conselho americano para uma economia

energeticamente eficiente) que prevê limites de consumo, por fabricante, para

veículos nos Estados Unidos. O sistema adotado resulta em que, se a empresa

conseguir vender maior número de carros econômicos, terá direito a comercializar

mais unidades de modelos de alto consumo. Os limites são diferentes para

automóveis e utilitários (picapes, minivans e utilitários esporte).

Abraço ecológico a todos,
Pedro Vidal.

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